Numa época em que a noção de memória se transferiu para o domínio dos chips de silício, dos computadores e das histórias de ficção científica sobre cyborgs, os críticos lamentam rotineiramente a entropia da memória histórica, definindo a amnésia como perigoso vírus cultural criado pelas novas tecnologias de mídia. Quanto maior é a memória armazenada em bancos de dados e acervos de imagens, menor é a disponibilidade e a habilidade da nossa cultura para se engajar na rememoração ativa, pelo menos ao que parece (HUYSSEN, 2000, P. 67).
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Questiona-se: por que se estabelecer na metrópole? O que ela lhe oferece? Veltz responde que “para um empregador, instalar-se em uma metrópole limita fortemente o risco de não encontrar os empregados de que precisará em dez ou vinte anos, e dos quais ele não conhece evidentemente nem o número nem as qualificações. Isto limita também consideravelmente os custos de saída ou de reconversão, muito elevados nas cidades médias ou pequenas, em razão da estreiteza do mercado de trabalho” (2001:151).
Em outro texto, agora escrito pela arquiteta Fernanda Sánchez, intitulado A (in)sustentabilidade das cidades-vitrine, para falar da cidade-modelo Curitiba, além de outras no mundo, a exemplo de Barcelona. Com “novo ethos ou código social, um conjunto de valores que estimula formas de ser e de viver nas cidades de hoje” (2001:157). Com todos seus prós e contras. Há um preço à criação de cada uma dessas cidades, como denunciou Dalton Trevisan: “Curitiba foi, não é mais” (2001:203). Sánchez compara os prefeitos a caixeiros-viajantes, pois a mudança ocorre no âmbito municipal com participação dos poderes Executivo, Legislativo e empresários, com pouca ou nenhuma sugestão dos moradores da cidade que vai-se vestir com todos os ingredientes da city marketing numa espécie de pasteurização. A cidade passa a ser vendida como ecológica, florida, limpa – tudo de acordo com a prancheta dos tecnópolis “áreas de inovação tecnológica que participam dos catálogos das cidades que se vendem” (2001:164).
No texto da geógrafa Rosa Moura, do Centro de Pesquisa do instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e social (IPARDES), escreveu Os riscos da cidade-modelo e, segundo Moura, “Essa Curitiba de então, já foi tão desfigurada, foi cuidadosamente ‘produzida’ e manejada para que se tornasse uma imagem de perfeição, sem conflitos nem contradições, impiedosamente hostil ao seu fantástico ‘vampiro’. Inserida no seleto rol de ‘cidades-modelo’” (2001:203). De acordo com Moura, as cidades-modelo geram inúmeras conseqüências, inclusive às cidades vizinhas: “alguns municípios, exatamente os menos dinâmicos, continuarão excluídos do processo”. (2001:207). Como excluídos do processo estão outros, sobretudo a pobreza. “Esse processo de planejamento urbano teve início com o Plano Agache, nos idos de 1944, que previa um sistema de crescimento da cidade em forma radial. Apenas em 1966, quando é elaborado um novo plano diretor, ele passa a ser estruturado e, mesmo tendo sofrido numerosos ajustes pontuais, passa a vigorar até hoje” (2001:209). Em Curitiba “Jaime Lerner, personalizando o processo, assume a prefeitura municipal por três gestões, duas indicado pelo governador do estado – praxe do regime autoritário –, e uma eleito diretamente” (2001:210). E o poder da prancheta criou as cidades-modelo em quase todos os continentes.
Vários são os símbolos da cidade-modelo, a exemplo de Curitiba, “do ‘Calçadão da Rua XV’, pioneiro no Brasil, outras intervenções urbanísticas, rotuladas como ‘idéias criativas’, são formuladas em símbolos da modernidade emergente: os setores estruturais, ‘o ligeirinho’ e suas ‘estações-tubo’, o produto da reciclagem de espaços abandonados e desvalorizadores de ‘áreas nobres, que fizeram emergir ícones como o teatro Ópera de Arame, o jardim Botânico, a Rua 24 Horas” (2001:215) etc. E, a partir disto, a criação de slogans que tornam Curitiba conhecida no mundo inteiro. Moura chama a atenção para “enquanto algumas cidades norte-americanas e européias empregam e mantêm mecanismos para uma participação contínua do cidadão em todos os níveis, evidenciando uma estrutura e uma história nas formas de participação que independem dos governantes, Curitiba deu pouca importância à oportunidade de efetivar essa prática” (2001:227).
No texto de Horacio Capel, El modelo Barcelona: un exame crítico: “assegurando el compromisso de la iniciativa privada en operaciones de claro alcance general o público; de la planificación normal a la excepcional, encontrando comunes para la regulación cotidiana de la ciudad y las grandes actuaciones” (2005:7).
2. A apressada favelização
do mundo
ou as máscaras do
“Planet of Slums”
Para Mike Davis, em Planeta Favela, escreveu que “pela primeira vez, a população urbana na Terra será mais numerosa do que a rural” (2006:13). A partir desta constatação, comenta sobre as megacidades e dasakotas (aldeias-cidades) asiáticas. Na Indonésia o híbrido campo/cidade “os pesquisadores discutem se são paisagens de transição ou uma espécie nova e dramática de urbanismo (...) urbanistas latino-americanos confrontados com o surgimento de sistemas urbanos policêntricos sem fronteiras claras o rural e o urbano” (2006:21). “A China, que se urbaniza ‘numa velocidade sem precedentes na história humana’ somou mais moradores urbanos na década de 1980 do que a Europa inteira (incluindo a Rússia) em todo o século XIX (2006:14). E Davis aponta no mapa múndi os países onde a população cresce vorazmente feito gafanhotos a destruírem plantações inteiras; compara cidades a amebas gigantes. O norte-americano Mike Davis, autor do livro Planeta Favela (Planet of slums) mostra como o mundo se encontra nesse fenômeno de”novas megacidades com mais de 8 milhões de habitantes (...) hipercidades com mais de 20 milhões de habitantes” (2006: 14); isto quer dizer, em uma única cidade com população equivalente a todos os habitantes do planeta, aproximadamente, do planeta no século XVIII. Como irá morar, comer, vestir, trabalhar esse povo? E a violência? São as cidades mundiais se estendendo além dos bairros, transpondo os limites dos municípios, engolindo o campo, criando uma faixa cinza entre campo/cidade, pois não se sabe onde começa nem termina a cidade. São cidades que invadem outras cidades e se conurbam e a mais forte destrói a mais frágil econômica e politicamente; são cidades dentro de cidades.
E todos os continentes, indistintamente, sofrem do mesmo estigma que Davis intitulou de Planet of slums. África, Ásia, América Latina são os mais citados por Davis. O mundo do último século (XX), o século das guerras, saiu da música clássica para música metaleira. Se na china, “o preço dessa nova ordem urbana será a desigualdade cada vez maior” (2006:18). “Na África, o crescimento explosivo de algumas cidades – que lembra o de uma supernova” (2006:19). E nesta rapidez do crescimento das cidades “o resultado dessa colisão entre o rural e o urbano na china, em boa parte do Sudeste asiático, na Índia, no Egito e talvez na áfrica ocidental é uma paisagem hermafrodita, um campo principalmente urbanizado” (2006:20). Criando o que o arquiteto Sieverts reconhece como “cidade intermediária” e esta nova cidade talvez “esteja se tornando rapidamente a paisagem que define o século XXI, tanto nos países ricos quanto nos pobres (...) Sieverts conceitua essas novas conurbações como teias policêntricas sem núcleos tradicionais nem periferias fáceis de reconhecer” (2006:20).
A economia da cidade não é proporcional ao bolso de seus moradores. Arquimedes pediu ajuda de uma alavanca para mover o mundo e as cidades querem motivos para crescerem até estourar, e Le Corbusier (professor dos criadores de Brasília, DF; o inventor da planta livre) nem sequer imaginou isto em sua visão plana. No texto de Mike Davis sobre seu planeta favela: “em vez do esteriótipo clássico do uso intensivo de mão-de-obra no campo e uso intensivo de capital e cidades desindustrializadas com uso intensivo de mão-de-obra” (2006:26). Daí, os mocambos, as palafitas, os cortiços, as favelas, os loteamentos clandestinos. Nova temporalidade, as cidades empobrecem e não oferecem mais segurança no capitalismo pós-liberal com gente morando nas 200 mil favelas e os diferentes lugares com sua “cidade dos mortos, no Cairo, onde 1 milhão de pobres usam sepulturas como módulos habitacionais pré-fabricados” (2006:43). Assim, o autor de Planeta Favela descreve a miséria do povo no tempo presente.
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2.1 Ref.
DAVIS, Mike. Planeta favela; tradução de Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006.
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3. “In Search of Politics” pena capital como identificação do alvo das frutrações ou 'em busca da política'
Zygmunt Bauman escreveu Em busca da política, para entender a cultura urbana do tempo presente “O mundo contemporâneo é um recipiente cheio até a borda de medo e frustração flutuantes desesperadamente em busca de alguma extravasão que um sofredor possa razoavelmente esperar dividir com outros” (2000:62). Bauman aponta a reação nervosa de moradores de uma cidade do primeiro mundo contra um ex-detento, como identificação do alvo para escape das frustrações. “Unir as pessoas que buscam válvula de escape para uma ansiedade longamente acumulada” (2000:18). E, depois, Bauman narra campanhas políticas onde ganha mais fácil quem age com mais rigor contra os criminosos. A pena capital sempre é assunto requentado, quando a temática é o violencismo. Um grande medo cobriu as cidade com sua nuvem de violência cuja mídia enche suas manchetes com perigosos.
Neste aspecto, Bauman questiona o homem violento em tempos pré-sociais, quando a luta era pela sobrevivência, onde as comunidades dificilmente se uniam. Essa busca da política a que se propõe Bauman, como limite do desejo, fim da segurança, alguém que sai do lugar dele para ocupar outro espaço, deixa o seu mundo de “segurança” e “certeza”, este é o preço da civilização, segundo Bauman “segurança: o que quer que tenhamos ganho e conquistado continuará em nosso poder (...) certeza: saber a diferença entre o que é razoável ou tolo, digno de confiança ou traiçoeiro, útil ou inútil, próprio ou impróprio, lucrativo ou arriscado (...) garantia: contanto que se aja da maneira correta, nenhum perigo mortal” (2000:25). Que significa Sicherheit, original alemão, no conceito de Freud para explicar o mal-estar na civilização (este termo ocidental do século XX). A civilização deixou de ser segurança – “proteção contra os inúmeros perigos da natureza, contra o próprio corpo e outras pessoas. Ou seja, a civilização oferece libertação do medo ou, pelo menos, torna os medos assustadores e intensos do que de outra forma seriam. Em troca, no entanto, impõe suas restrições à liberdade individual – por vezes severas, em geral opressivas, sempre maçantes. Nem tudo o que o coração deseja é permitido aos seres humanos e quase nada pode ser completamente alcançado para a satisfação dos desejos. Os instintos são controlados ou totalmente reprimidos – o que é uma infelicidade cheia de desconforto físico, neurose e revolta” (2000:24). A segurança sempre uma incerteza.
Como fazer uma política da utopia? O pêndulo explica: ora assim, ora assado; o mundo se aquece, o mundo se resfria independente das vontades, tão-somente conforme balança o pêdulo. Tudo gira em torno da insegurança de como se ganhar a vida. Múltiplas são as novas concepções do eu, segundo Bauman “A imagem de uma identidade sempre perseguida e nunca alcançada” (2000:30). Por todos estes motivos, esta é a busca da política, de Zygmunt Bauman. Se há alterações nas políticas econômicas mundiais, os conceitos de família são alterados com desempregos etc., pois os laços de sociabilidade e de reciprocidade, a este ponto, fragilizam-se. Assim, a insegurança ocupa o lugar das garantias. Após estas considerações, Bauman aborda pontos filosóficos e religiosos sobre a eternidade, a vida, a morte. “As autoridades do Estado nem mesmo fingem que são capazes de ou desejam garantir a segurança dos que estão sob sua responsabilidade; políticos de todas as colorações deixam claro que, dada a severa exigência de competitividade, eficiência e flexibilidade, já ‘não podemos nos permitir’ redes de segurança coletiva. Os políticos prometem modernizar as estruturas seculares de vida dos seus súditos, mas as promessas são presságios de mais incerteza, mais insegurança e menos garantia contra os caprichos do destino” (2000:47). Houve um abandono dos indivíduos, ou seja, os indivíduos foram divididos. “abandonados para lamberem as próprias feridas e exorcizarem seus medos em solidão e reclusão” (2000:48). Daí, a sociedade criadora de neuroses. “O mundo se une hoje numa série de redes sobrepostas: de bolsas de valores, canais de televisão, computadores (...) vivemos diz Castells, numa sociedade de classes sem classes” (2000:57).
3.1 Ref.
ZYGMUNT, Bauman. Em busca da política; tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000
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4. Um olho no céu para caçar criminosos ou cidade de quartzo (escavando o futuro em Los Angeles)
“Os objetivos da arquitetura contemporânea e da política convergem com muito ímpeto para o problema do controle da multidão”, segundo escreveu Mike Davis, no livro Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles, mostra que polícia isola bairros pobre e há um olho no céu para caçar criminosos. “No distrito de Westlake e no vale de San Fernando, a polícia de Los Angeles faz barricada nas ruas e isola os bairros pobres como parte de sua ‘guerra contra as drogas’” (1993:205). A realidade supera toda a ficção hollywoodiana ou hollywoodesca “Os pseudo-espaços públicos para consumidores ricos de nossos dias –, suntuosos shoppings, centros de escritórios, acrópoles culturais, e assim sucesivamente – estão repletos de sinais invisíveis que impedem a entrada do ‘outro’ da subclasse” (1993:207). Moradores do terceiro mundo em Nova York habitam “guetos e ‘bairros’ cada vez mais repressivos” (1993;208). A cidade, na visão de Mike Davis ao escrever Cidade de Quartzo fica cada vez mais proibitiva “o surgimento ocasional de um vagabundo de rua despossuído na Broadway Plaza ou em frente ao museu de Arte contemporânea provoca um pânico silencioso; câmaras de vídeo giram em seus engates e guardas de segurança ajustam seus cinturões. Fotografias do velho Centro em seus primórdios mostram multidões misturadas de pedestres anglo-saxões, negros e latinos de diferentes idades e classes. O ‘renascimento’ contemporâneo do Centro é projetado para tornar tal heterogeneidade virtualmente impossível. Ele tenciona não somente ‘matar a rua’, como teme Kaplan, mas ‘matar a multidão’, para eliminar esta mistura democrática nas calçadas e nos parques” (1993:211). Mike Davis descreve as megalópoles norte-americanas cheias de espaços com habitantes de um mundo de papelão, nas mais precárias situações de higiene, alimento e saúde. Uma verdadeira Cidade de Quartzo – se de um lado dispõe de segurança high-tech, de outro é um mundo inimaginável onde muitos ficam cada vez mais longe da “única cor que conta em negócios é o verde” (1993:221).
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4.1 Ref.
DAVIS, Mike. Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Scritta Editorial, 1993.
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5. A invenção da favela:
do mito de origem a favela.com
Lúcia do Prado Valladares, em seu livro A invenção da favela: do mito de origem a favela.com escreveu sobre a transição para as ciências sociais: valorização da favela e descoberta do trabalho no campo. Dom Helder, a Igreja Católica e as favelas no Rio. “Um novo período da produção de representações e de conhecimentos sobre as favelas se inicia no começo dos anos 1950, estendendo-se até o final dos anos 1960. Seus dois traços característicos principais são: a valorização da favela enquanto comunidade; e a inauguração de um verdadeiro trabalho de pesquisa de campo mobilizando os métodos das ciências sociais” (2005:76). Esta foi à época das “intervenções políticas sobre a favela (...) Especialistas estrangeiros, realizando pesquisas de amparo ou implementando ações concretas, redescobrem a favela, estabelecendo importantes colaborações com brasileiros. Os mais marcantes foram o sociólogo francês Padre Louis-Joseph Lebret, um dos fundadores do movimento Économie et Humanisme, e, para os americanos, os membros do Peace Corps (Voluntários da Paz) e o antropólogo Anthony Leeds” (2005:76). Segundo Valladares, “John Kennedy havia percebido, muito bem, que os universitários seriam o grupo ideal para assumir esse papel” (2005:104), eles fariam parte de voluntários da paz – peace corps – e o desenvolvimento de comunidades; este período em que os norte-americanos faziam parte da vida brasileira, foi quando Universidades dos EUA descobriram as favelas no Brasil e fundações americanas, a exemplo da Fundação Ford, criaram acordos intergovernamentais; nos acordos “os estudantes de medicina eram convidados a se especializar em doenças tropicais ou locais” (2005:105). Eram muitos os voluntários; durante os anos 1960-70 pelo menos 31.186” (2005:106).
“Ainda nos Estados Unidos, durante os três meses de formação intensiva, todos eles liam o livro de Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de Despejo (...) havia obtido grande sucesso nos Estados Unidos e suas numerosas edições eram encontradas na maior parte das bibliotecas daquele país” (2005:106-7). Além de outras implicações políticas daqueles anos e dos interesses estrangeiros no Brasil, segundo Valladares, em seu livro A invenção da favela. Desses estudos e do trabalho publicado em jornais, de acordo com Valladares, à época da SAGMACS, que o Estadão publicou sob o título de “Aspectos humanos da favela carioca”, despertou o interesse de intelectuais brasileiros e estrangeiros sobre o assunto favela. Época da luz na favela, ocasião em que primeiro se falou em novas moradias e infra-estrutura “o que hoje se chama urbanização de favelas” (2005:77). O pernambucano Josué de Castro, autor de Geografia da Fome, convidou Lebret ao Brasil e com o trabalho de dom Helder Câmara (mais militância do que doutrina religiosa); é da década de 1950 a Juventude Universitária Cristã “militava intensamente para tirar o país do subdesenvolvimento” (2005:80). Os católicos estavam decididos, como escreveu Valladares, a ajudarem os moradores das favelas. “No final dos anos 1940, o Brasil era caracterizado pelo subdesenvolviemento, associando miséria, analfabetismo e fome” (2005:83). Algumas favelas escolhidas para se estudar seus casos, a sanitárias, medicina popular, educação, formas de solidariedade, lazer,delinqüência e vida religiosa” (2005:94), fisou Valladares.
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5.1 Ref.
VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
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6. Das inscrições rupestres
ao desafio de fazer História
com imagens: arte e cultura visual.
“A imagem é capaz de atingir todas as camadas sociais ao ultrapassar asa diversas fronteiras sociais pelo alcance do sentido humano da visão” (2006:99) segundo Paulo Knauss, que escreveu o artigo O Desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, entendendo que “a cultura visual não depende das imagens propriamente ditas, mas da ‘tendência moderna de figurar ou visualizar a existência’. De acordo com Mirzoeff, do mesmo modo que o século XIX foi o tempo do jornal e do romance, a cultura fragmentada chamada de pós-moderno poderia ser mais bem pensada como visual” (2006:109). Knauss linca o estudo da História da imagem com o cinema norte-americano e os estudos de cultura visual e faz referência a vários intelectuais a respeito deste campo.
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6.1 Ref.
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura virtual. Uberlândia: Art cultura, v. 8, n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2006
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7. A utopia de Fredric Jameson
e o pós-modernismo
na lógica cultural do capitalismo
tardio
Fredric Jameson escreveu Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, para o qual “a utopia parece ser a demonstração de um daqueles raros fenômenos cujo conceito é indistinguível de sua realidade, cuja ontologia coincide com sua representação (...) ‘utópico’ veio a ser, na esquerda, um codinome para socialismo ou comunismo, enquanto, na direita, tornou-se sinônimo de ‘totalitarismo’ ou, com efeito, de stanilismo. Os dois usos parecem sobrepor-se e significam que uma política que queira mudar radicalmente o sistema será designada como utópica” (2007:159), ao estudar a política da utopia. Jameson explica “que a utopia é um tanto negativa, e é mais autêntica quando não conseguimos imaginá-la. Sua função não é nos ajudar a imaginar um futuro melhor, mas demonstrar nossa total incapacidade de imaginar tal futuro – nossa prisão num presente não-utópico sem historicidade nem futuridade – para revelar o fechamento ideológico do sistema em que estamos, de algum modo, cercados e confinados” (2007:169). HISTORICISTA – alusão a um presente excluído da história real que poderia, e não está, ser também um passado removido da história real; o que se exclui da história real. Quando Jameson fala da questão de ideologia, anota que “somos todos determinados pela classe e pela história da classe, ou ainda que tentemos resistir ou a fugir a isso” (2007:169). “Os papéis sexuais também entram no quadro utópico, e vale notar a abundância de utopias feministas desde a segunda onda do feminismo na década de 1960” (2007:171).
Voltando ao tema da utopia, para Jameson “cada uma dessas utopias é uma fantasia e tem o valor exato de uma fantasia” (2007:173). Anota ainda Jameson que “o capitalismo pós-moderno ou tardio trouxe pelo menos o benefício epistemológico de revelar a estrutura fundamental da mercadoria é o próprio vício” (2007:175). Jameson critica a arquitetura pós-moderna: “muitos edifícios pós-modernos parecem ter sido projetados para ser fotografados, pois só em fotos ostentam sua existência brilhante e sua realidade com toda a fosforescência de uma orquestra high-tech em CD” (2007:121). Escreve Jameson sobre a arquitetura de Gehry em Santa Mônica, Califórnia, 1979, no princípio de seu texto sobre utopias - alusão a Morus.
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7.1 Ref.
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2007.
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8. A cidade como ressentimento:
história e memória de um acontecimento na sociedade contemporânea – o incêndio do Gran Circus Norte-Americano em Niterói, 1961. (Paulo Knauss – UFF).
Paulo Knauss, Professor do Departamento de História da UFF, escreveu um artigo com o título de "A cidade como sentimento: história e memória de um acontecimento na sociedade contemporânea – o incêndio do Gran Circus Norte-americano em Niterói, 1961" onde relacionou a história do acontecimento e a história urbana, sob o ponto de vista da memória no tempo presente. A tragédia que chamou a atenção do Brasil e de outros países, baseou-se em fontes orais e matérias na imprensa da época. "A reflexão problematiza as relações entre história e memória, confrontando leituras de fontes de época com fontes orais" (2007:26). A questão era se o incêndio foi criminoso, caso fortuito ou força maior. A polícia da capital do Rio, Niterói, investigou.
"Como Pierre Nora destaca, um acontecimento ‘testemunha menos pelo que traduz do que pelo que revela, menos pelo que é do que pelo que provoca’" (2007:47). Constrói-se a memória de lembranças/esquecimentos.
9. Narrativas Fotográficas sobre a cidade
(Zita Rosane Possamai – UFRGS)
No artigo "Narrativas sobre a cidade", Zita Rosane Possamai, da UFRGS, relaciona narrativa com fotografia e coleção. Como um álbum pode narrar a cidade. "O declínio da narrativa ensejou novas formas de comunicação, como a imprensa, que passou a substituir o antigo papel dos homens-memória. As imagens visuais, em especial as fotografias, também se revelaram como forma de dar a ver o mundo e as coisas, na perspectiva da plausibilidade exigida pela informação" (2007:58). Possamai cita Flusser para dizer que "a aparente objetividade das imagens técnicas é ilusória, pois na realidade são tão simbólicas quanto o são todas as imagens. Devem ser decifradas por quem deseja captar-lhes o significa. Com efeito, são elas símbolos extremamente abstratos" (2007:58). E sua narrativa de Porto alegre, vista em Porto Alegre Álbum "falam de poder político, autoridade, afinidade partidária e ordem, tendo como elementos visuais estruturas arquitetônicas que representam essas idéias na configuração do espaço urbano da cidade" (2007:62).
10. A batalha da Pampulha
Sobre "A batalha de Pampulha", ou seja, a igreja de S. Francisco da Pampulha, em Belo Horizonte, "o fato de a capela de Le Corbusier tem-se tornado modelo de uma nova arquitetura eclesiástica terá sido um elemento que pesou na solução do caso da Pampulha? Não é fácil fornecer uma resposta em virtude das diversas variáveis invocadas pela Cúria belorizontina para justificar sua atitude" (2007:207).
Após a contestação católica e o prefeito do BH, JK, eleito Presidente da República e João XXIII na cadeira pontifícia, a igreja de S. Francisco da Pampulha, em BH, foi reconhecida. "O caráter ‘muito nacional’ da capela de São Francisco de Assis, na qual Niemeyer se mostrara ‘mais próximo do Aleijadinho que de Corbusier’, Vasconcellos toma uma postura contrária à sua utilização para outros fins que não o religioso" (2007:189).
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11. A cidade e a arte moderna:
conflito e integração.
Annateresa Fabris escreveu sobre A cidade e a arte moderna: conflito e integração – sobre uma concepção do monumento. E iniciou seu texto manifestando-se sobre o artigo de Ernesto De Fiori que polemizou sobre os monumentos erigidos desde as últimas décadas do século XIX, em 1941. “A argumentação do escultor não deixa dúvidas sobre seus objetivos: não é o munumento em si que é alvo de suas críticas. É a concepção oitocentista, da qual se originaram aqueles conjuntos que, vistos de longe, ‘mais se assemelham a repolhops e outros legumes sobre a banca de uma quitanda, do que a obra de mármore e bronze’” (Fabris: 2000:135). Neste aspecto, Annateresa Fabris cita Mário de Andrade para o qual “cultuar alguém significa conhecer-lhe a vida e a obra e não simplesmente erguer-lhe uma estátua em praça pública” (Fabris: 2000:139). Em seguida, Fabris comenta sobre o monumento ao Cristo Redentor, no Rio, projeto do início do século XX e mostra sua diferença comparado ao monumento a Ramos de Azevedo, em São Paulo, nos anos seguintes.
Para Fabris, que menciona Pierre Nora, “a memória é a vida em evolução permanente, aberta à dialética da recordação e da amnésia, suscetível de longas latências e de súbitas revitalizações. A história é a reconstrução problemática e incompleta do que não existe mais, é uma representação do passado. Se a primeira tem raízes no concreto, no espaço, no gesto, na imagem e no objeto, a segunda só tem relações com as continuidades temporais” (Fabris: 2000:146). Ao falar sobre “um símbolo moderno”, Fabris conta a história da construção, durante o Estado Novo, da sede do Ministério da Educação e Saúde, onde “o clima político vivido pelo Brasil em 1936 pode ser flagrado na carta que Arquimedes Memória dirige ao presidente Getúlio Vargas, logo após a decisão de Gustavo Capanema de entregar a Lúcio Costa a construção” (Fabris, 2000:153). Uma carta o mineiro Costa, por memória ter vencido o concurso público para o projeto e construção do MECS, porém não executa o projeto que fica a cargo do mineiro Costa e sua equipe, que sofreram influência do arquiteto urbanista suíço Le Corbusier.
“A vinda de Le Corbusier para atuar como consultor da equipe é explicada por Costa pelo fato de ser o único arquiteto moderno a encarar a problemática arquitetônica” (Fabris, 2000:161). Grandes eram as disputas entre tradicionalistas e modernistas. Le Corbusier trabalhava na URSS quanto nos EUA. Fabris também escreve sobre o mito do “homem novo” para servir de inspiração ao escultor que incluiria seus elementos ao projeto, a exemplo de Brecheret, e De Fiori, que escreveu carta a Portinari (este da equipe de Lúcio costa, como Burle Marx e outros).
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11.1 Ref.
FABRIS, Annateresa. Fragmentos urbanos: representações culturais. São Paulo: Studio Nobel, 2000.
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12. Os dizeres dA palavra da cidade
(praças-pulmões, ruas-artérias etc.)
No livro Palavras da Cidade, organizado por Maria Stella Martins Bresciani, com proposta em mostrar a cidade por meio de suas palavras cujos significados interessam de lexicógrafos a turistas. Quando os autores convidados: sociólogo Depaule e a lingüista Topalov escreveram “A cidade através de suas palavras”, anotaram que “a idéia, já abordada por Victor Hugo, de que a cidade é um livro aberto e de que seu espaço uma espécie de linguagem ou de escrita, é familiar” (2201:18). A cidade é o cenário de línguas múltiplas e de língua comum “de um lado, uma língua ‘de administração’, cuja meta é organizacional; de outro, maneiras de falar comuns, cotidianas” (2201:21). Novas palavras nascem na cidade, de arbusto no Sertão nordestino: favela vira favelado aos ex-soldados que lutaram na Campanha de Canudos, BA; e muitos dos ex-soldados vão morar no Morro Favela “distinto por sua morfologia e pela ilegalidade das habitações coletivas deformadas do tecido antigo, designadas por estalagens e cortiços” (2001:30). Em outras partes do mundo, as palavras sofrem mutações; dependendo de qual grupo, tempo e espaço, território, língua, memória, migração lexical, mudanças morfológicas do p ao b ou do l ao r. Esta origem das palavras na cidade “reorganiza o espaço geográfico recorrendo a linguagens, a falares regionais, importando palavras de línguas estrangeiras, ou legitimando empréstimos já efetuados” (2001:32).
Quando a historiadora Sandra Jatahy Pesavento, outra convidada para escrever Palavras a Cidade, organizado por Bresciani, Pesavento escreveu sobre “Era uma vez o beco: origem de um mau lugar” para escrever sobre Porto Alegre, cujas ruas centrais se constituíam de becos. Becos, para Pesavento, “o verbete enuncia duas acepções: a especial, topográfica, que define o traçado de um tipo de rua, de dimensão problemático e pejorativo, apontando para uma condição que extrapola a demarcação espacial” (2001:97). O intento de Pesavento é “resgatar quando o beco passa a ter conotação pejorativa, ingressando na linguagem da estigmatização urbana” (2001:98).
No texto escrito pelas arquitetas da USP, Gunn e Correia, para Palavras da Cidade, sob o título “O urbanismo: a medicina e a biologia nas palavras e imagens da cidade” as autoras mostram que com metáforas orgânicas mantém-se a sociedade política/filosófica/positivista/físico social/cientificista onde “o urbanismo – que surge como disciplina no século XIX, que foi institucionalizada no século XX – tem recorrido reiteradamente à biologia para explicar suas análises e técnicas de ação” (2001:227). As duas arquiteturas da USP que escreveram este texto mostraram a modernidade e a idéia de cidade como organismo, com analogias médicas e biológicas no vocabulário e nas representações da cidade. “O Recife não cresce – inchou, dizia Gilberto Freyre nos anos 50” (2001:228). Para os urbanistas clássicos, a cidade é um corpo humano; segundo Gunn e Correia, a grande cidade, um corpo doente e o urbanista, seu médico. “Nas representações da cidade tornou-se frequentemente desde o século passado [XX], as analogias com corpos vivos, com partes de corpos, com doenças e anomalias. As arquitetas traçam um panorama das cidades dos esgotos aos telhados e seus planejadores. “A metáfora da máquina é mobilizada por Le Corbusier, equiparando a cidade à fábrica – a casa a uma ‘máquina de morar’ e a rua a uma ‘máquina de circular’” (2001:242). Desde o século XVI há registros de analogias entre cidade e máquinas. Hoje habitam-se “prédios inteligentes” – terminologia criticada.
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12.1 Ref.
BRESCIANI, Maria Stella (org.) Palavras da cidade. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
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13. As cidades “periféricas”
como arenas culturais:
Rússia, Áustria, América Latina.
Sob o enfoque de literatos, o autor Richard M. Morse fala sobre o ingênuo e o cosmopolitano, em seu texto “As cidades ‘periféricas’ como arenas culturais: Rússia, Áustria, América Latina” de Paris a São Petersburgo, do Rio a Buenos Aires e outras cidades ditas periféricas ou centrais. Cada cidade é construída obedecendo à geografia, não tão-só a topográfica. Em regiões quentes os edifícios vão obedecer à arquitetura que minimizem os incômodos da quentura, do calor; para ir a outro extremo, em regiões frias ou geladas, a cidade é construída de maneira diferente as suas casas. Para o autor “as cidades tornam-se teatros e nossos informantes, atores”. Cita o poeta Baudelaire, pai do Simbolismo (no Brasil representado na poesia do catarinense Cruz e Sousa) que “celebra um mundo urbano associal, no qual a arte também se torna mercadoria”. E questiona se Paris foi a “capital do século XIX”; (sic) talvez, capital do consumismo. Neste ponto, o autor de As Cidades “Periféricas” Como Arenas Culturais: Rússia, Áustria, América Latina, opõe-se a Walter Benjamin, autor de “Paris, capital do século XIX”. E fundamenta com Manchester de Tocqueville, Engels e Dickens: os além-Paris. Pois “nenhuma cidade poderia ser a sede de todos os ingredientes que forjaram a têmpora moderna”. E aponta o desinteresse dos artistas e literatos franceses por uma identidade nacional, além de que Dostoievski, tão distante de Londres e Paris, morar em São Petersburgo, ainda assim contribuía com a modernidade.
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13.1 Ref.
MORSE, Richard. As cidades “periféricas” como arenas culturais: Rússia, Áustria, América Latina. In Estudos Históricos, v. 16, jul.-dez., 1995.
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14. Revoltas, repúblicas e cidadania
na visão de Marco A. Pamplona
Marcos A. Pamplona em seu livro Revoltas, repúblicas e cidadania, escreveu sobre duas cidades: A Nova York do início do século XIX e o Rio de Janeiro de fim do mesmo século. “O período que abrange aproximadamente as quatro primeiras décadas do século XIX tem sido definido como um tempo de intenso desenvolvimento comercial, industrialização incipiente e as mudanças sociais dela decorrentes” (2003:21). Segundo Pamplona “a cidade do Rio de Janeiro foi um grande centro administrativo e comercial desde os tempos coloniais. Foi a capital da capitania do Rio de Janeiro, em 1763 passou a capital do Vice-reinado do Brasil e tornou-se a sede temporária da Corte portuguesa quando a família real exilou-se no Brasil, em 1808. Mais tarde, em 1822, tornou-se a capital do Brasil independente” (2003:53).
Pamplona preocupa-se em mostrar o aspecto geográfico de Nova York “o crescimento contínuo de uma classe de trabalhadores assalariados urbanos, acompanhado da expressão de uma burguesia urbana de mercadores e empresários, dinamizou o mercado imobiliário” (2003;26). E fez seu paralelo ao Rio de Janeiro, o aumento demográfico, o Rio como interposto comercial (Vice-reinado do Brasil, Portugal, África, Ásia, colônias sul hispânicas) e, finalmente, o surgimento das favelas 1890-1900 – nos terrenos “de graça” proliferavam-se favelas “como uma alternativa aos outros tipos de moradia barata” (2003:61). Em NY era cada vez maior a demanda por habitação; “o valor dos terrenos em Manhattan subiu cerca de 750% (...) a especulação no mercado imobiliário aumentou a riqueza da elite econômica da cidade, tanto a nova quanto a velha, ampliando mais ainda a distância entre os possuidores e os despossuídos” (2003:26-8). No RJ, o governo propunha vilas operárias como solução, no II Reinado do Império, com investimentos públicos “fraude e especulação foram os resultados imediatos desta política governamental, que acabou por beneficiar apenas os grandes proprietários de terras e agentes imobiliários da cidade. Empresas de construção e indústrias têxteis usaram e abusaram de tais benefícios [taxas de juros bancárias muito baixas, os investidores com isenção temporária de impostos, donos de cortiços desobrigados a pagar indenização aos moradores, doação de terras, importação de materiais de construção isentos] mas de fato e de direito poucos construíram moradias para operários” (2003:62). Neste parâmetro entre as cidades do RJ e de NY, enquanto nesta cidade o público não havia se misturado ao privado, naquela não foi assim, conforme o texto de Pamplona. “Diante da dificuldade de arcar sozinhos com o aluguel, os trabalhadores assalariados e as famílias operárias de Manhattan passam a fazer uso de três seguintes estratégias: a coabitação numa mesma casa para compartilhar o aluguel, a mudança constante de moradia sem quitar aluguel e a procura de imóveis com aluguéis mais baratos (...) distritos onde vivia a população de baixa renda, apareceram os primeiros cortiços e favelas da cidade" (2003;29).
Sob o título de Revoltas, repúblicas e cidadania, Pamplona desenha o jeito de vida no Novo Mundo. Se os de baixa renda moram próximos ao trabalho, a classe média norte-americana cria um padrão de moradia “longe do local de trabalho” (2003:29). Com o governo de Rodrigues Alves, inicia-se a origem da campanha “o que temos não presta”, quando a cidade tropical do RJ quis viver a belle époque e importar o estilo francês “o governo endossava inteiramente este ideal de um desenvolvimento nos moldes europeus para a capital” (2003:64). NY do início do século XX “foi executado um plano urbano que moldaria a futura cidade” (2003:32). Rodrigues Alves queria mudar o centro da capital onde vaca era puxada de porta em porta para venda de leite, comida barata em freges, “aa tentativa de se aplicar um critério utilitário às relações sociais significou a maior e mais intensa repressão policial contra a população pobre (...) chegou-se ao cúmulo de criar uma lei que propunha o uso compulsório de terno, gravata e sapatos para todas as pessoas sem exceção, no Distrito Federal” (2003:68). Tudo em nome do comércio e da indústria, segundo Pamplona “tanto em Nova York como no Rio de Janeiro transformações sociais intensas acompanharam o crescimento comercial e a industrialização” (2003:69). Entretanto, o trabalho no Brasil não se atribui grande valor, “noção herdada da cultura ibérica, viu-se reforçada pela escravidão. De acordo com a elite brasileira, o trabalho não conferia dignidade e não garantia nenhum status social. Assim, diferentemente de uma concepção que atribuía valor moral ao trabalho, que em geral aparece sob o nome de ‘ética protestante’, associava-se o trabalho no Brasil não apenas aos escravos, mas às classes baixas em geral” (2003:71).
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14.1 Ref.
PAMPLONA, Marco Antônio Villela. Revoltas, repúblicas e cidadania: Nova York e Rio de Janeiro na consolidação da ordem republicana. Rio de Janeiro: Record, 2003.
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15. Cultura e cidades:
as visões de Bresciani e Sevcenko
cultura e cidades
Revista Brasileira de História - 1985
a) Metrópoles: As faces do mundo urbano (cidades no século XX), de Maria Stella Martins Bresciani – UNICAMP.
Na Revista Brasileira de História, 1985, sobre Cultura e Cidades, a professora Stella Bresciani escreveu o artigo Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades no século XIX). Quis Bresciani mostrar as contradições da cidade do século XIX e sua cultura sobre a pobreza. “Para penetrar nos meandros dessa nova sensibilidade decidi percorrer alguns textos, onde literatos, médicos, advogados, filósofos, filantropos, estadistas, em suma, o homem letrado em geral, expressaram os sentimentos de perdas diversas e de viverem situações paradoxais; registros semelhantes encontrei também em depoimentos de trabalhadores rurais e fabris, de vendedores ambulantes, artistas de rua, enfim, de toda a grande parcela da população que subsiste através do trabalho de suas mãos” (1985:37). Segundo Bresciani, “é parte dessa nova sensibilidade a expressão ‘duas cidades’, cunhado por Disraeli para falar do abismo existente entre ricos-civilizados e pobres-selvagens” (1985:39-40). Em seu artigo, Bresciani compara mestre-artesão diferente de patrão-operário, mostra as ruas cheias de olhares vazios, o sublime na arquitetura e o grotesco no sublime, a arquitetura burguesa, os símbolos burgueses “o parlamento, a prefeitura (...) símbolos de uma cultura laica” (1985:45). As razões do homem mecânico, a aventureira e culta Flora Tristan. Fome e riqueza em Londres. Inventário de cidades, os autômatos ou pessoas esvaziadas, a cultura do salve-se quem puder. “Esses ambientes austeros, repletos de objetos sólidos e duráveis, reproduziam no plano interno a mesma sensibilidade estética dos espaços e edifícios públicos. A burguesia inglesa permanece reclusa em seus estojos, mesmo em tempos de distúrbios políticos, assustada perante a presença violenta de pessoas que só conhecia através de relatórios parlamentares, dos panfletos e romances, da imprensa periódica e dos relatos dos exploradores sociais. Daí a importância que os intermediários assumem para a intenção burguesa de domesticar o homem pobre. Se a polícia criada no final da década de 1820 e as casas de trabalho reformadas, ambas produto das diretrizes da Nova Lei dos Pobres” (1985:64).
b) Perfis urbanos terríveis em Edagar Allan Poe, de Nicolau Sevcenko - USP.
No artigo Perfis Urbanos Terríveis em Edgar Allan Poe, Nicolau Sevcenko, escrevendo na Revista Brasileira de História, 1985, segundo ele “um estudo das imagens produzidas pela literatura diante do espetáculo do surgimento das grandes cidades no século XIX. Solidão, crime, doença e sedução: três signos de morte sob cujo emblema aterrador Poe enquadra a cidade moderna” (1985:66). A importância dôo escritor norte-americano, Poe, que morava em Londres e se popularizou com histórias extraordinárias, a exemplo de O Gato Preto e o poema O Corvo além de outras. Neste artigo, Sevcenko optou por três contos: “O homem na multidão”, “A esfinge” e “Um aperto”. De acordo com este artigo de Sevcenko “ao contrário de Dickens, Sue, Hugo ou Baudelaire, Edgar Allan Poe jamais aborda diretamente o tema da cidade decisivo no conjunto de seus textos. A predominância das mansões sombrias, perdidas nos campos, dos solares abandonados e castelos ruinosos definhando às margens de pântanos ou precipícios medonhos, tão ao gosto do romantismo noturno e de acordo com o melhor figurino da literatura gótica” (1985:72). Enquanto “O homem na multidão”, sem enredo, Poe cria um personagem que deduz ter encontrado um criminoso na multidão da cidade que ele resolvera espiar em seus movimentos que não se interrompem; já “A esfinge” é sobre um monstro que devora Nova York como imagina sua depressiva personagem deste conto, mas, na verdade, tudo não passa da figura de uma borboleta de nome esfinge que se debate presa a uma teia de aranha na janela de onde se via a silhueta da cidade; finalmente, “Um aperto” trata-se de uma mulher decepada pelo ponteiro dos minutos ao ser atraída pela beleza da cidade vista por um apertado espaço no qual só lhe coube a cabeça.
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15.1 Ref. SEVCENKO, Nicolau. Futebol, metrópoles e desatinos. In Revista USP: Dossiê Futebol. São Paulo: USP, n. 22, jun.-ago., 1994, p. 30-7.
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16. Da Cabeça de Porco à "higienização" dos guetos
na capital febril de Chalhoub:
cortiços e epidemias na Corte imperial.
Sidney Chalhoub, em seu livro Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial, descreve a operação de guerra, no Rio de Janeiro de 1893, para esvaziar o Cabeça de Porco “o mais célebre cortiço carioca do período” (1996:15). Segundo Chalhoub, “enfim, ‘cortiço’ foi o termo que as autoridades sanitárias passaram a utilizar quando desejavam estigmatizar em definitivo determinada habitação coletiva” (1996:40). De acordo com este livro de Chalhoub, “os higienistas haviam atingido o auge de sua influência política” (1996:46). Durante o governo do presidente Floriano Peixoto, em 1891, ou seja, antes da derrubada do Cabeça de Porco. “O discurso dos higienistas contra as habitações coletivas interessou sobremaneira a grupos empresariais atentos às oportunidades de investimentos abertos com a expansão e as transformações da malha urbana da Corte” (1996:52). Assinala, ainda, o autor de Cidade Febril “muitos cortiços ocupavam terrenos bem localizados, há muito integrados á malha urbana, e portanto verdadeiras minas potenciais de investimentos” (1996:54). Chalhoub, em Cidade Febril, mostra o Rio de Janeiro, capital do Brasil, em um processo de “higienização” e proliferação das favelas, desde os “egressos da campanha de Canudos. O lugar passou então a ser chamado de ‘morro da Favela’. A destruição do Cabeça de Porco marcou o início do fim de uma era” (1996:17). No governo do prefeito Barata Ribeiro, os jornais cariocas “louvaram a decisão e a coragem do prefeito” (1996:18). Apesar do alerta de que voltariam os casebres a serem construídos.
Batalhas na administração pública. Escreveu Chalhoub, “a afirmação da Higiene como a ideologia das transformações urbanas da virada do século esteve longe de ser um processo linear e sem conflitos” (1996:36). A escravidão no Brasil havia se acabado por lei. Conforme escrevera Chalhoub em seu livro Cidade Febril “a polícia age a partir do pressuposto da suspeição generalizada, da premissa de que todo cidadão é suspeito de alguma coisa até prava em contrário e, é lógico, alguns cidadãos são mais suspeitos do que outros. O romancista Lima Barreto (...) já descrevia a estratégia com precisão” (1996:23). Para Chalhoub, “a decisão política de expulsar as classes populares das áreas centrais da cidade podia estar associada a uma tentativa de desarticulação da memória recente dos movimentos sociais urbanos” (1996:26). E o autor relaciona cortiço e escravidão. Cartas eram publicadas em jornais da época dirigidas ao chefe de polícia da Corte mandando dar busca nos cortiços onde se escondiam escravos em “casas” alugadas. É neste Rio de Janeiro que surge a ideologia da higiene, a salubridade pública, a febre amarela, em 1850, e cinco anos depois, o cólera. Chalhoub descreve que “as classes pobres não passaram a ser vistas como classes perigosas apenas porque poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os pobres ofereciam também perigo de contágio. Por um lado, o próprio perigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário político brasileiro de fins do século XIX” (1996:29).
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16.1 Ref. CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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Três mulheres (Zaluar, Leeds, Caldeira), duas cidades (Rio/SP), uma realidade: a antropologia da violência nas megalópoles São Paulo e Rio de Janeiro. Um recorte na História do tempo presente nas culturas urbanas. Por que pós-regime houve uma escalada na violência urbana? Fizeram surgir enclaves cada vez mais fortificados.
17.2 Crime, medo e política - sobre favelas no Rio de Janeiro, escrito em 1993 - é um artigo da antropóloga Alba Zaluar, da UERJ, coordena o Núcelo de Pesquisa em Violências. Do livro “Um século de favela” org. por Zaluar e Marcos Alvito. Coincide com a redemocratização cartéis/máfia, segundo a professora Zaluar, e o resultado foi o aumento da violência espalhada em armas e outros instrumentos ilegais poderosos. O crime no Rio triplicou se comparado à Nova York (esta cidade adotou a política de tolerância zero); os crimes violentos passaram a ser associados ao N; a corrupção se ampliou. "Os paradoxos e abigüidades das velhas e novas culturas políticas, concebidas como modelos e práticas que articulam o político com o social" (p. 210). Pena capital começa o povo a cobrar; enquanto a direita exige dureza nas práticas políticas, a esquerda (à época) cria teorias. Com este artigo de Zaluar, a luta de classes, de pobres cobrando dos ricos, cai por terra, pois o que predomina seja "pagarem dívidas, seja para se sentirem mais fortes diante dos inimigos criados, seja ainda por 'fascínio', 'euforia' e 'ilusão', como eles próprios denominaram" (p. 214). Fim da utopia liberal da liberdade e da segurança; e nisto dialoga com o livro Planeta Favela, de Mike Davis. Nas observações feitas por Zaluar, predominam os interesses políticos e não comunitários. Igrejas evangélicas nas favelas - violência? Culpa-se do diabo (ZALUAR, 2004)
17.3 C e poderes paralelos na periferia urbana brasileira é um artigo de Elizabeth Leeds, da Fundação Ford, de 1996, e este estudo aborda o uso político e os efeitos da distribuição e venda de C nas comunidades de baixa renda no Rio. Analisa as conseqüências do N para a vida social e política das favelas. A transição política do autoritarismo para regimes democráticos se fez acompanhar de uma transição econômica que aumentou a pobreza. Totalizando 500 favelas e conjuntos habitacionais no Rio. Começa a ser publicado na imprensa nacional “guerra civil”. Os favelados divididos entre duas violências: estatal e ilegal. Segundo Leeds, organizações ilegais iniciaram-se pós-1969, quando misturaram presos políticos a presos comuns, no que se denominou de ação coletiva. Se o governo age com rigor contra a ilegalidade (Moreira Franco) a violência escapa pelos dedos das mãos; corrupção onde não se esperava que houvesse; blitz em favelas; prisões por não portar identidade; legalidade e ilegalidade no mesmo prato; enquanto o mal é romantizado (LEEDS, 1996).
17.4 Violência, o corpo incircunscrito e o desrespeito aos direitos na democracia brasileira é um artigo de Teresa Caldeira, http://br.youtube.com/watch?v=6XnhTKUphpE antropóloga, pesquisadora e professora do College of Environmental Design, da Universidade Berkey, nos EUA, já foi pesquisadora do Cebrap e professora da Unicamp; artigo publicado em seu livro Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, publicado originalmente em língua inglesa, que ganhou o Senior Book Prizer de 2001, conferido pela American Ethnological Society. Nele analisa a democracia brasileira: associação de violência, desrespeito pelos direitos civis e uma concepção do corpo que Caldeira chama de “corpo incircunscrito”. É sobre o regime democrático na década de 1980, centrado na oposição generalizada aos defensores dos direitos humanos e uma campanha para a inclusão da pena capital na Constituição brasileira. Aponta que no Brasil a tolerância em relação ao corpo e a proliferação da violência, a deslegitimização da Justiça e dos direitos civis estão intrinsecamente ligados. Fala sobre a disjunção da cidadania brasileira: a associação da violência ao desrespeito aos direitos civis. A cidadania e a violência como experiências vividas pelos moradores de São Paulo. Direitos humanos como “privilégio de bandido”, mesmo os direitos humanos em teoria sejam um valor universal, são cultural e politicamente interpretados e modificados, como os direitos civis em geral. Contradição: no Brasil, direitos humanos no regime e negação pós-regime. Lei de Anistia, 1979, e os presos políticos foram libertados, os defensores dos direitos humanos Centro Santos Dias (Arquidiocese de SP) e Comissão Teotônio Vilela (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) voltam a sua atenção para presos comuns durante o governo Franco Montoro, 1983-7. Quando o crime violento aumentou, os de esquerda apoiavam os direitos humanos e os de direita acusavam-no de protetor. Surge em todo o país programas de rádio para narrarem crimes violentos (CALDEIRA, 2000).
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17.1 Ref. ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. 4a. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
17.2 Ref. ZALUAR, Alba. C, medo e política. 4a. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
17.3 Ref. LEEDS, Elizabeth. C e poderes paralelos na perifereria urbana brasileira: ameaças à democratização em nível local. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
17.4 Ref. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação em São paulo. Tradução de Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. São Paulo: Ed34/Edusp, 2000.
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NOTAS
l. Nora (1992) destrói a memória espontânea para Le Goff (1999) definir que “memória e história fertilizam-se mutuamente chegando mesmo a se confundir” (Almeida Neves).
2. Segundo Tuan (1983), quando o espaço se torna familiar, transforma-se em lugar, que incorpora significados. TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Rio de Janeiro: Difel, 1983.
3. HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Tradução Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000, p. 67.
